Dedicatória

Dedico este blog a todas as palavras a serem sentidas, a todos os sentidos a serem floridos, a todos os sorrisos e risos. Às pessoas prontas para sorrir e às maduras o suficiente pra chorar. Dedico a quem sabe amar e gargalhar... a quem pode se orgulhar! Dedico também à espontaneidade, que é mãe da boa poesia e da filosofia. e já que falamos da mãe, falemos também do pai, que é o sentimento que semeia a espontaneidade para gerar sublime deusa, poesia. Dedico à poesia, a poesia. Ao amor, mil utopias. Dedico este blog a quem me faz sofrer, já que o sofrimento é irmão do sentimento, que é pai da poesia. dedico também, e principalmente, aos amigos de verdade, àqueles que — nem eu nem eles — não têm falsidade.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Ilha do Existente e o Oceano do Possível – Uma fábula do Processo Criativo

Criação e criatividade têm a ver com trazer para o plano material algo que, hoje, encontra-se naquilo que Platão chamou de Plano das Idéias. Fugindo um pouco da conceituação platônica deste plano Ideal, que em muito se assemelha à proposta cristã de Paraíso, vamos tentar entender este Mundo das Idéias como a nossa própria mente, e sua capacidade de acessar novas possibilidades.

Para tornar mais nítido meu entendimento desta transição entre o existente e o imaterial, e o papel do criativo nesta equação, vou utilizar de uma pequena metáfora: Imagine que o mundo em que vivemos, aquilo que é externo a nós e, portanto, existe, é uma ilha cercada por um oceano fluído, vibrando em ondas de possibilidades. Entre estas duas regiões — o Oceano do Possível e a Ilha do Existente — reside o Criativo.

Aquele pequeno bangalô de madeira, na beira do mar (dependendo da maré, dentro dele!), com uma rede confortável e laranja, para contrastar com o azul do mar e impulsionar ainda mais a criatividade, bem iluminada por luz natural, cercada pelo relaxante som das ondas se quebrando constantemente e com aquele aroma misto de madeira e maresia. Sim, é claro que num cenário desses não poderia faltar uma cozinha repleta de frutos do mar fresquinhos e um bom vinho branco gelado, para aguçar ainda mais o paladar.

Ali reside o Criativo em sua expressão máxima. Entre o Existente e o Possível, com todos os seus sentidos aguçados, ele torna-se capaz de captar no ar e nas ondas do mar, as novas possibilidades, e enxergar com maior distinção a direção em que sua ilhota pode expandir.

É assim que tem sido com Da Vincis, Picassos, Niemeyers, Corbusiers e outros grandes artistas ao redor do mundo, seja qual for sua área: Na pintura, nas engenharias, na poesia, arquitetura, dança, música, finanças, tecnologia, ciência, medicina... Em todas as áreas do Desenvolvimento Humano, é preciso estar às margens do Oceano do Possível, preferencialmente virado para ele, para abstrair as terras existentes e planejar o que há de vir, que é o verdadeiro papel do artista na sociedade.

Há certa confusão na ideia de que Criativos são artistas. Quando digo certa confusão, quero dizer que realmente, todos os Criativos são artistas, a confusão reside apenas na definição de Arte e artista. Para esclarecer melhor um pouco esta fundamentação, recorro à origem etimológica da palavra Arte, conforme expressada pelo filósofo brasileiro Huberto Rohden.

Em seu livro Filosofia da Arte, Rohden explica que a palavra Arte advém do latim Ars, que significa Técnica, Saber, Conhecimento. Arte é, portanto, toda forma de conhecimento e técnica. Artista é aquele que detém um conhecimento ou técnica sobre uma determinada área. Portanto, todos são artistas à sua maneira.

O que diferencia então profissionais brilhantes de bons profissionais? Se escrevi este artigo direito, a resposta para essa pergunta já está na ponta da língua de você, leitor (ou pelo menos às margens de sua cabeça!). Esta diferença está na capacidade de viver no limiar entre o Existente e o Possível. As arte — ou técnicas — para desenvolver esta capacidade são incontáveis. Cada criativo desenvolve a sua, e esse tipo de elaboração é extremamente individual.

Para mim, por exemplo, privação de sono é algo que funciona perfeitamente. Quando passo uma noite em claro, além de produzir muito melhor durante a noite (sou notívago declarado), passo a manhã toda em um estado de plenitude criativa. É muito difícil expressar o que sinto, visto que não se trata de algo palpável, que possa ser percebido e descrito, mas é como se eu tivesse dado um mergulho neste Oceano do Possível.

Nessas manhãs, parece que tudo é claro, nítido, passível de ser desenvolvido sem dificuldades e que tudo funcionará perfeitamente quando eu trouxer à terra firme. Então eu volto para a Ilha do Existente trazendo comigo a nova possibilidade, e aquela textura palpável e nítida, que aparentemente funcionaria tão bem, escorre por entre meus dedos e penetra a areia, retornado diretamente para o Oceano do Possível.

São as leis distintas de cada uma dessas regiões: O Oceano, onde nos sentimos leves a ponto de flutuar e a matéria é fluída a ponto de nadarmos nela, e a Ilha do Existente, com sua borda arenosa que absorve qualquer espécie de fluidez e leveza e um centro cada vez mais denso e impenetrável. Entra então em questão a Ars Praxis, termo do latim para a Ação ou a Prática daquele conhecimento citado anteriormente.

Você foi e viu: mergulhou no dito oceano de possibilidades e conheceu seus belos peixes e corais, sentiu seu frescor e suas correntes passando pelo seu corpo. Agora, é preciso sedimentar os sais minerais presentes nessa água e, dessa forma, materializar as possibilidades, tornando-as, então, existentes.

É a hora do trabalho duro, de aparar arestas e desenvolver aquilo que foi visto no Oceano do Possível seguindo as leis da Ilha do Existente. A proposta se transformará. No decorrer do processo, pode haver frustração, ao perceber que a estrutura existente no Oceano do Possível não pode ser integralmente construída nesta dura ilha em que vivemos, mas é necessário compreensão de que as leis que regem estes dois mundos, como já dito, são diferentes e, portanto, nenhum deles será igual ao outro.

É neste sentido que me referi ao Mundo das Idéias de Platão logo na introdução do artigo. Também nele a forma original é perfeita e o produto obtido dela, uma mera imitação, cheia de imperfeições e incompletudes. A boa adaptação das possibilidades encontradas no oceano, portanto, é que determina um profissional brilhante, em qualquer que seja sua área.

Dentre todas as artes, enxergo na arquitetura, talvez por ser a minha, a que vive sempre neste limiar. Um artista como Picasso, pai do Cubismo, pode produzir seu Guernica, tendendo ao máximo à desconstrução e turbidez geradas pelo movimento das águas do Oceano do Possível. Já Frank Gehry, grande arquiteto desconstrutivista, não poderia erguer seu prédio para o Museu Guggenheim em Bilbao se este não cumprisse, acima de tudo, sua função expositiva e administrativa.

Ambas as formas são abstratas, tiradas quase que em sua expressão total do conceito original, dentro do Oceano do Possível, mas apenas Gehry adicionou à sua Obra-Prima a Funcionalidade característica da Ilha do Existente. Um arquiteto, portanto, vive no estado de tensão entre a beleza fluída das diversas possibilidades e a sensatez palpável da função. Algumas escolas defenderam a forma sobre a função, outras, a função sobre a forma.

Na minha balança, ambas precisam coexistir em equilíbrio perfeito para que a Arquitetura e o Design possam atingir sua expressão máxima. Forma e Função num estado de tensão constante, contrabalanceado uma à outra para obter um resultado belo e exequível dentro das necessidades e possibilidades econômicas do cliente.

3 comentários:

  1. Genial! Uma ótima imagem para explicar a criatividade! Para mim, esse tipo de dissertação é mais útil e esclarecedora do que tratados científicos sobre o processo criativo no cérebro... afinal de contas estamos falando de criatividade!!!

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  2. Faz tempo que o blog não é atualizado, saudades das suas poesias!!!

    PS: Gostaria muito que o blog fosse atualizado se possível!! GRATIDÃO.

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    1. Aos pedidos de um leitor, ainda que anônimo, não nega jamais o bom poeta.

      Revela-te, porém, se te apetecer!

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