Isso de desejo é algo muito irônico... Principalmente quando estão à flor da pele e não desabrocham. É o pior sentimento que pode existir. A morte certa e iminente não dói tanto ao condenado nos últimos 15 minutos de vida quanto desejos que não se cumprem. É uma dor cega, que não sabe onde doer, então dói em todo lugar. Um calafrio obscuro, que por não poder se cumprir, ganha asas pra matar.
Ninguém sabe do que é capaz um rejeitado. Nem mesmo ele! "Coitado... Perdeu mais uma chance de dar amor, de oferecer afago e carinho... E por quê? Por não temer o amor?" ressoam todos mais uma vez, ao comentar dele... Nos corredores, nas esquinas e até naquele bar famoso que esqueci o nome. Em todos os lugares falam dele, mas nem lembram o seu nome, o chamam coitado. Algumas meninas que tentam consolar dizem: "ela não soube dar valor, ela não sabe o que perdeu...” ou “saiba que quem perdeu foi ela e não você!” e até, pasmem: “se fosse eu nós estaríamos juntos há muito tempo!".
Coitado — como o chamarei daqui pra frente — sabe que é verdade e não nega. Mas o coração, amarrado feito prisioneiro de masmorra, se contorce e grita não. Coitado sorri forte, ergue a cabeça e diz: "quem perdeu foi ela!" Se despede dos amigos, vira a esquina, mergulha na sarjeta e chora, compulsivamente. Essa cena se repete de tempos em tempos, e ele agradece a Deus por seus amigos não a verem... Coitado... Mal sabe ele que seus amigos assistem a tudo, à distância, e que alguns deles até riem. Para esses, mal ele fala de uma nova garota que — essa sim — fará ele feliz, começa a diversão.
Parece brutal. Amigos assim? Mas se você pensar no que fez a garota, as amizades de Coitado são as melhores do mundo. Você diz: “mas elas têm direito à livre escolha!” E eu concordo plenamente. Mas elas não têm o direito de fazer sofrer uma outra vida, como fazem. Você não está entendendo por não conhecer a rotina! Vou explicar...
Primeiro elas conhecem o Coitado, e este, sem ser convidado, se apaixona abruptamente. Até aqui, é ele o culpado, elas são inocentes e puras, e até Coitado admite. O problema começa justamente agora! Coitado, começa sua ofensiva — convenhamos, nada efetiva — para cima da moça. Algumas pulam fora, e a elas esse texto nada critica. Outras esperam para ver no que vai dar, e Coitado, coitado, já acha que vai casar! É quando vem chegando a dor: Coitado faz questão de tratá-las como vasos da dinastia Ming (ou alguma coisa mais rara e cara que isso...).
Ele começa a sofrer. A culpa, não podemos negar, é 80% dele, mas ao menos os outros 20% poderiam ser poupados e não são. A mulher amada começa a se sentir desejada, e isso a faz sentir bem, esquecendo que quem deseja também sente. No caso, mal. Depois de um tempo de flerte, um belo dia Coitado liga pra garota, gagueja, seca o suor da testa e diz: “é... hmm... oi [o nome da garota foi retirado, em respeito a Coitado]... tudo... bom?” ao que ouve uma voz sempre disposta a receber elogios: “ooooooooooooiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii”. Coitado corta os elogios — está muito nervoso para falar mais que o essencial — e desembucha tudo de uma vez sem respirar. A garota — que acabou de acordar — diz: “putz, Coi (apelido carinhoso, o parêntesis é nosso), hoje não vai dar, eu to cheia de coisas pra fazer!” Ele acha que talvez seja verdade e até pensa que se for, ganhou uns pontos com ela por tê-la acordado a tempo de cumprir suas obrigações. Algumas enroladas depois ele desiste de convidá-la para um chopp, e para qualquer outra coisa.
Recomeça, então, tudo que acima se narrou. Ele, com a cara mais envergonhada do mundo, se vê obrigado a contar a experiência aos amigos, para desabafar. Mas sabe que desabafar com eles não adianta. Que só vai ser pior, pois depois vai se jogar na sarjeta e chorar. E mais uma vez, Coitado — sujo e sem nem mesmo o carinho do cão sarnento — balbucia entre soluços seu mote favorito: “nada de novo, tudo de novo.”